segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Fichamento do texto "As três idades do olhar", de Régis Debray

Um panorama geral
- Para um melhor entendimento, o Curso de Midiologia dividiu a trajetória da imagem, a partir da evolução da suas técnicas de transmissão em três midiosferas: a logosfera, grafosfera e a videosfera.
- A logosfera corresponde a era dos ídolos no sentido lato (do grego lídolo,imagem). Este período estende-se da invenção da escrita à da imprensa. A grafosfera, a era da arte. Sua época estende-se da imprensa à TV a cores. A videosfera, era do visual. É precisamente a época em que vivemos.
- Nenhuma midasfera exclui a outra e com elas se sobrepõem e se imbricam uma na outra. Cada uma dessas eras descreve um meio de vida e de pensamento, um ecossistema da visão.
- O ídolo é a imagem de um tempo imóvel, síncope de eternidade, corte vertical vernacular, enraizado em um solo étnico. Tem como língua materna o grego.
- A arte é lenta, mas mostra já figuras em movimento. A arte é ocidental, camponesa embora circuladora e feita para as viagens. Tem como língua materna o italiano. Já nosso visual está em rotação constante, puro ritmo, obcecado pela rapidez. O visual é mundial, concebido desde a fabricação para uma difusão planetária. Tem como língua materna o americano.
- A longa trajetória da imagem indica uma tendência para baixar o rendimento energético. Em termos de mensalidade coletiva, a seqüência “ídolo” garante a transição do mágico para o religioso. A “arte” garante a transição do teológico para o histórico ou, se preferimos do divino para o humano como centro de referência. O “visual”, de pessoa em sua individualidade para o mundo circundante global, ou ainda ser para o meio,
- Na era 1, o ídolo não é uma questão estética, mas religiosa, com implicações diretamente políticas. Questão de crença. Na era 2, a arte conquista sua autonomia em relação à religião, embora continuando subordinada ao poder político. Questão de gosto. Na era 3, a esfera econômica decide sozinha a respeito não só do valor, mas também da distribuição das imagens.
Índice, ícone e símbolo
- A sucessão das “eras” coincide com a classificação estabelecida pelo lógico americano Peirce entre o índice, o ícone e o símbolo na respectiva relação com o objeto.
- Índice: fragmento ou contigüidade do objeto, parte ou tomada de um todo. Ex: fêmur de um santo em uma urna; Ícone: assemelha-se a coisa, mas não é a coisa. Motivado por uma identidade ou forma. Ex: retrato do santo; Símbolo: sem qualquer relação analógica com a coisa, arbitrário apenas no que diz respeito a ela. Decifra-se com ajuda de um código. Ex: vocabulário “azul” que diz respeito à cor azul.
- Ícone como índice. Ex: ícone ortodoxo é indicial em virtude de suas propriedades miraculosas ou taumatúrgicas.
- Imagem-índice: fascina, quer ser tocada, tem valor mágico. Imagem-ícone: inspira somente prazer, tem valor artístico. Imagem-símbolo: requer distanciamento, tem valor sociológico.
- Regime “ídolo”: o além do visível é sua norma e razão do ser. A imagem, que lhe fica devendo toda a sua áurea, rende glória àquilo que a supera. Regime “arte”: o além da representação é o mundo natural; a cada um sua aura, a gloria é compartilhada. Regime “visual”: a imagem torna-se seu próprio referente. Toda glória é para ela.
- A “arte” greco-romana faz passar do índice para o ícone. A arte moderna, do ícone para o símbolo. Na era do “visual”, o círculo da arte contemporânea se inverte e retorna do tudo simbólico a uma busca desesperada do índice.
O começo da escrita
- Até a emergência dos primeiros processos de notação linear dos sons, a imagem ocupou o lugar da escrita. Tratava-se de um simbolismo, ao mesmo tempo, cósmico e intelectual, altamente ritualizado, sem dúvida combinado com proferições verbais. Articulações de sons e desenhos de traços feitos pelos sapiens, não se tratam mais de sinais, mas sim de signos.
- A imagem é a mãe do signo, mas o nascimento do signo da escrita permite à imagem viver plenamente sua vida de adulto, separada da palavra e alijada de suas tarefas triviais de comunicação.
- Nas civilizações orais, as imagens preenchem a função de signos. Como testemunho, temos a cultura pré-colombiana do México, praticamente desprovida de escrita, onde as significações e comunicações se faziam pela imagem (servindo o códex ou pictogramas como suportes de recitações orais).
- Como figura de identidade o ídolo é conservador, tem receio da inovação e se torna conformistas pelos constrangimentos de eficácia. O fabricante de ídolos é um não “criativo”, um produtor sem mercado onde o cliente é quem manda e em que a pressão social interiorizada substitui o desejo inconsciente.
A era dos ídolos
- O ícone não é um retrato semelhante ao modelo, mas uma imagem divina, teofânica e litúrgica, que não tem valor por sua forma visível peculiar, mas pelo caráter deificante de sua visão, isto é, pelo seu efeito.
- Historicamente, o ídolo, no sentido estritamente grego, designa “o pedestal cilíndrico ou tetragonal”, ou a estátua pré-helênica anterior à estátua dita dedálica.
- Esta encurta (de -30.000 a 3.000) o período mágico-religioso do ídolo às culturas propriamente históricas de que se conserva uma documentação escrita: Alto Império egípcio e primeiras dinastias mesopotâmicas.
- Os ídolos tinham o tom e o brilho da carne porque todos eles eram seres atuantes e falantes.
- Após o avanço considerável do codex sobre o volumen, as práticas de leitura e a cultura textual também não conhecem mudança significativa entre a Baixa Antiguidade e o princípio da Renascença.
- O eídolon policromo e politeísta está mais voltado para o visível e seus esplendores; o eikón bizantino, menos deslumbrante e mais severo, olha para o interior. Pode-se e devem-se opor esses dois tipos de investimento do visível pelo invisível, dois modos de presença incompatíveis da divindade em sua figuração.
- Os padres da igreja basearam-se nesta distinção entre presença imediata e representação midiatizada para declarar verdadeiras guerras de extermínio contra os idólatras.
- A diferença entre o ícone permitido e o ídolo proibido não se refere à imagem, mas ao culto que lhe é prestado.
- Na Antiguidade, ela caía do céu. Para a Cristandade, vem das origens. É a Sagrada Face de Leon, o Saint Mandylion de Edessa, como mais tarde, o santuário de Turim. Ponto comum: a marca viva do Deus vivo, excluindo todo trabalho artístico.
- No regime “ídolo”, a prática da imagem não é contemplativa e a percepção não constitui um critério. O poder da imagem não está em sua visão, mas em sua presença.
- Os dois períodos aparentam-se no seguinte: a imagem visível é diretamente referida ao invisível e só tem valor como intermediário. Da mesma forma que, na Cidade dos dois gládios, o espiritual leva vantagem sobre o temporal, assim também na Cidade dos ídolos, a carne da imagem conta menos do que o Verbo que a habita.
- O critério que leva a reunir os dois períodos em uma era única: uma imagem de arte “faz efeito” por metáfora. Um ídolo tem efeito realmente e por natureza.
- Em seu período propriamente cristão, a era do ídolo conduz-nos de Ravena a Sienna. Está organizada segundo o modelo bizantino, refletindo assim a hegemonia do cristianismo oriental sobre seu completo ocidental.
A era da arte
- A arte é realmente um produto da liberdade humana.
- A liberdade que é comprovada pela arte não é a de uma intenção relativamente a um instinto. Mas a da criatura para com o Criador.
- O “artístico” advém quando a obra encontra em si mesma sua razão de ser. Quando o prazer (estético) já não é tributário da encomenda (religiosa).
- O critério é a individualidade assumida, atuante e falante. Não a griffe ou rubrica, mas a tomada da palavra.
- No extremo limite, pode não fazer nada com as mãos – como é o caso, hoje em dia, dos “artistas da comunicação” - contanto que diga e escreva: “Eis como vejo o mundo”.
- O advento da arte é assinalado pela produção de um território, indissoluvelmente ideal e físico, cívico e citadino. Nasce FDA reunião de um lugar com um discurso.
- A respeitabilidade é a domiciliação, além da explicação. O espaço faz a lei: a cinemateca fez o cinéfilo.
A estetização / Conclusão
- A estetização das imagens inicia no século XV e termina no XIX;
- “Museu” é o termo das Musas – Mas já vimos que, na Grécia, não havia Musas para o que chamamos “ artes plásticas”;
- A passagem do ídolo para a obra é paralela à passagem do manuscrito para o impresso, entre o século XV e XVI. O Iconoclasmo Calvinista desenvolve-se na seqüência da invenção de Gutenberg e representa a segunda querela das Imagens do ocidente cristão;
- Do ícone ao quadro, a imagem muda se signo. Ao invéz de aparição, torna-se aparência;
- Aparentemente, a imagem nunca esteve tão bem como na renascença; encontra-se em toda a parte; nas igrejas, nos palácios e até mesmo na rua, “transferindo para o domicílio a autoridade das formas plásticas”;
- A imagem humanista emancipa-se do culto, produz sua própria cultura. Passa do sacral para o laico, do comunitário para o particular; embora esteja ainda afincado pela revelação primitiva, seu valor deixa de estar indexado à escala dos poderes divinos;
- A xilografia prosperava nos fins de uma idade média que tem a paixão das imagens piedosas para memorizar os sermões dos frades, ilustrar a bíblia manuscrita, ensinar litanias e preces;
- Um livro circula, exporta-se, compra-se muito mais fácil do que um quadro: é um veículo de influências, um acelerador de empréstimos, um mediador de estilos; O vírus visual circulou desta forma e não se pode opor a cultura do impresso à cultura da imagem: as duas, no princípio, reforçaram-se uma a outra;
- O espaço unitário da renascença unificou o mundo real. Introduzindo pelo conceito de infinito, que comanda o de contínuo, acabou, de fato, quebrando os universos e compartimentos, qualitativos e fragmentados que regiam até aí a representação;
- A invenção da metafísica dos pólos do universo foi, antes de tudo, um fato ótico; além disso, a revolução do olhar, como sempre, precedeu as revoluções científicas e políticas do ocidente;
- A obra de arte sai do espírito do artista que vai destiná-la a um conhecedor. Com efeito, o artista nasce ao mesmo tempo em que o autor, criação tardia e tipográfica dá página, do rosto do livro impresso. Na expectativa da noção de propriedade, a de personalidade e artística decorre das novas práticas de apropriação dos “produtos do espírito”;
- Passou-se da imagem para a arte quando o pintor deixa de executar encomendas e programas, como um artesão, e quando o valor de seu trabalho já não depende dos materiais que emprega;
- O promotor das operações estéticas de uma época regula a natureza das obras produzidas, nem que fosse pela hierarquização, outrora, do valor relativo dos gêneros.

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